sexta-feira, 12 de abril de 2013

O que aconteceu com os Guarani-Kaiowás? O que está acontecendo conosco? (Texto: Ceres Arantes)


Belíssimo texto. Uma ótima leitura que se propague na rede. Isso é coisa nossa :)

"Triste constatação do quanto vivemos entre abismos que separam uma única raça, a do ser humano. Abismos formados por cor, sexo, hábito, informação, crença, beleza ou dinheiro. Sem palavras!!! 

    

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A mídia e as redes sociais possuem um poder indiscutível quando querem que uma notícia seja espalhada aos quatro ventos. Há pouquíssimo tempo atrás, milhares de internautas facebookianos trocaram seus sobrenomes como apoio às tribos dos Guarani-Kaiowas depois da repercussão de uma carta que equivocadamente foi interpretada como anúncio de um possível suicídio em massa. Mas depois disso tudo, me pergunto: O que aconteceu com os Guarani-Kaiowás?
As manchetes de jornais revelam um longo martírio que essas comunidades tem enfrentado. Não sou especialista no assunto. No decorrer da pesquisa que fiz, percebi que sabia tão pouco de todos os detalhes que acabei por decidir não me arriscar a mergulhar em argumentos para não falar nenhuma besteira. Mas não precisa ser especialista para não querer mal para outro ser humano. Nem para entender que povos indígenas podem e devem ter direito a manterem suas tradições, crenças e hábitos. E que para que isso ocorra é muito importante que tenham direito a continuarem em suas terras.

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Encontrei também “cidadãos” que assumidamente não defendem os índios porque acreditam que eles devam ser tratados como qualquer outra pessoa normal. Nesse caso, acho que seguindo esse raciocínio, deveríamos manter velhos argumentos do tipo ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’ quando nos deparamos com violência doméstica. Podemos ignorar o preconceito racial, a homofobia, o trabalho escravo e a prostituição. Porque a mulher também deve ser tratada como qualquer pessoa normal, assim como o negro, o homossexual e a prostitua. Vamos jogar a toalha! Cada um por si se essa é a lei.
Talvez o problema é que a maioria das pessoas não é tratada com normalidade. Triste constatação do quanto vivemos entre abismos que separam uma única raça, a do ser humano. Abismos formados por cor, sexo, hábito, informação, crença, beleza ou dinheiro. Não importa o que torna um grupo de pessoas fragilizado, mas o quanto isso é intolerável.
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Lembro a morte lenta da minha inocência. Ela foi dando espaço para o medo das inúmeras barbáries que a humanidade foi capaz de fazer. Era menina ainda quando assisti um documentário sobre os campos de concentração. Lembro de perguntar à minha mãe se aquilo realmente tinha acontecido e do olhar triste dela confirmando. Quando li o livro Raízes que narrava a saga e o martírio dos negros durante a escravatura e percebi que a história ensinada nas escolas era muito mais amena. Fiquei surpresa ao tomar conhecimento sobre as torturas na época da ditadura que muita gente ainda não acreditava que realmente tivesse acontecido. Pensava como a humanidade não fazia nada enquanto essas coisas aconteciam.
Hoje vergonhosamente estou misturada à essa humanidade que se cala. Assisto aterrorizada, mas lavo o rosto, passo um batom e sigo com minha vida. Aos trancos e barrancos enfrento minhas próprias guerras enquanto barbáries continuam acontecendo aos montes. Se fosse citar superficialmente mais algumas delas, esse post se tornaria uma novela mexicana repleta de requintes de crueldade. E me pergunto qual a saída? Como fazer algo? A sobrevivência justifica essa alienação? O que está acontecendo conosco? Não sei dar as respostas e provavelmente nem sei as perguntas corretas. Isso não passa de um desabafo triste. Choro em palavras como os índios choram em seus cantos, suas danças e seus cultos. Que os deuses nos ajudem!
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Abaixo, notícia recente sobre um pequeno kaiowá de 4 anos que morreu no mês passado.
As fotos que ilustram esse post é de Rosa Gauditano, assim como as palavras das legendas.
Link que segue da BBC sobre a situação dos Guarani-Kaiowáshttp://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2012/12/121210_galeria_kaiowas_mv_as.shtml
Fonte: CIMI / Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Boni
Na tarde de sexta-feira, dia 22 de março, uma criança de quatro anos passeava de mãos dadas com a avó, como fazem as crianças amparadas e protegidas por firmes laços familiares, no acostamento da BR-463, Km 06, em Dourados-MS, a cerca de 500 metros de sua casa. Tudo estava calmo, o dia transcorria rotineiro quando, de repente, a vida daquela pequena criança foi brutalmente interrompida. Um motorista, transitando em alta velocidade, atropelou e arremessou o corpo de Gabriel Cário de Souza a uma distância de 39 metros, fugindo em seguida sem prestar socorro à vítima.
Há hoje mais de 30 acampamentos indígenas nas rodovias do Estado, habitados, em grande parte, por Kaiowás. "Fazem isso por desespero, mas também como uma forma de protesto"
Há hoje mais de 30 acampamentos indígenas nas rodovias do Estado, habitados, em grande parte, por Kaiowás. “Fazem isso por desespero, mas também como uma forma de protesto”
Este foi o sexto assassinato praticado – de forma deliberada ou não – contra os membros da comunidade Apika’y. Cerca de um mês antes, outro indígena foi atropelado por um motociclista enquanto transitava de bicicleta no acostamento da rodovia e, felizmente, neste caso a vítima sobreviveu.
A rotina de atropelamentos começou para esta comunidade em 2009, quando as famílias Guarani-Kaiowá foram expulsas da área de uma fazenda que haviam reocupado e que, tendo julgado a ação de reintegração de posse, a Justiça decidiu em favor do fazendeiro. De lá para cá, seis pessoas foram barbaramente assassinadas. Além do pequeno Gabriel Cário de Souza, de apenas quatro anos, foram atropelados e mortos Aguinaldo Cario de Souza, de 17 anos; Vagner Freitas dos Santos, de 37 anos; Sidnei Cario de Souza, de 28 anos e Elario Cario de Souza, de 50 anos.
"Eu fotografo povos indígenas há 20 anos e nunca havia visto situação de penúria tão grande. O que está acontecendo no Brasil é um genocídio silencioso"
“Eu fotografo povos indígenas há 20 anos e nunca havia visto situação de penúria tão grande. O que está acontecendo no Brasil é um genocídio silencioso”
Não bastasse isso, a comunidade chora ainda a morte da líder espiritual Alzira Nelita, de 90 anos, que morreu por envenenamento, decorrente da prática criminosa e ilegal de pulverização aérea de plantações. Todas estas pessoas são integrantes de uma mesma família, o que torna ainda mais brutal a violência impingida ao povo Guarani-Kaiowá. Esta é, para eles, uma via sacra que se prolonga há anos, marcada com sangue de inocentes numa sucessiva “sexta-feira da Paixão”. Eles vivem um doloroso e infindável tempo de espera, sem respostas concretas do Governo Federal no sentido assegurar seu direito à terra, o que poderia resguardar e proteger essa população que agora se encontra vulnerável e entregue à própria sorte.
Portanto, as mortes por atropelamento são também de responsabilidade do Governo Federal, tanto pela omissão em relação aos procedimentos demarcatórios (determinação prevista no Art. 231 da Constituição Federal) quanto pela negligência em relação à proteção e garantia da vida destas famílias indígenas (inscrita no mesmo artigo da Lei). A morte dessas pessoas é também decorrente da intolerância de alguns segmentos da população, dos desmandos de proprietários de terra e da falta de uma enérgica e exemplar ação por parte das autoridades competentes, que deveriam conter essa onda genocida, e que, omitindo-se a potencializam, uma vez que se estabelece um sentimento de que ali pode imperar a lei da bala e da força bruta.
Acampamento Guarani Kaiowá Laranjeira
Acampamento Guarani Kaiowá Laranjeira
Nos acampamentos à beira das rodovias os Guarani-Kaiowá estão submetidos aos riscos decorrentes do fluxo de veículos e também são privados de suas formas tradicionais de viver, alimentar-se, celebrar e ritualizar a vida. Eles se alimentam do pouco que recebem na forma de cestas básicas, não possuem fontes para obtenção de água potável, não têm espaço para praticar a agricultura, não encontram as plantas necessárias para proceder à cura de doenças, não recebem assistência adequada do sistema público de saúde. Conforme destaca Ruy Sposati, citando um relatório publicado em 2009 pelo Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul, a situação da comunidade de Apyka’i é gravíssima: “crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a condições degradantes e que ferem a dignidade da pessoa humana. A situação por eles vivenciada é análoga à de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio país”.
Para alguns setores ditos “produtivos”, a morte dos indígenas que pleiteiam a demarcação de seus territórios tradicionais, nos quais se assentam hoje fazendas e grandes plantações, seria apenas um “efeito colateral”, um mal previsto e planificável. A partir desta lógica perversa, e com a conivência do Governo Federal que adia os procedimentos de demarcação das terras indígenas naquela região, o que vem ocorrendo é uma verdadeira “limpeza étnica”, em pleno século XXI e em um país cujos governantes “estufam o peito” ao afirmar que estão consolidando bases de uma verdadeira democracia. Foi essa a mensagem levada por Gilberto de Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, em seus pronunciamentos no Fórum Social Mundial, realizado na Tunísia.
"Em algum momento, os índios, os fazendeiros, o governo e a sociedade brasileira como um todo terão de chegar a um consenso e resolver a situação desse povo. São 43 mil pessoas que precisam de sua terra para viver com dignidade".
“Em algum momento, os índios, os fazendeiros, o governo e a sociedade brasileira como um todo terão de chegar a um consenso e resolver a situação desse povo. São 43 mil pessoas que precisam de sua terra para viver com dignidade”.
Não parece ser nada democrático desrespeitar preceitos constitucionais e deixar as famílias indígenas vivendo à beira das estradas, para assim acomodar interesses de empresários, fazendeiros e políticos regionais que consideram os índios empecilhos ou ameaças à expansão e lucratividade do agronegócio. A falta de uma atuação efetiva dos poderes Executivo e Judiciário em Mato Grosso do Sul vem permitido que o estado lidere, há anos, o ranking de violências contra os povos indígenas, particularmente no tocante a assassinatos, atropelamento com mortes, lesões corporais e suicídios.
Diante do quadro de genocídio que se apresenta naquela região e de uma situação que se prolonga sem que sejam tomadas as medidas cabíveis para por um fim a tanto sofrimento, perguntamos, unindo nossa voz a dos Guarani-Kaiowá: a Páscoa, quando virá?
Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin
"E se a solução é indenizar os fazendeiros que geram riqueza para o Brasil e que adquiriram a terra por meios legais, que seja".
“E se a solução é indenizar os fazendeiros que geram riqueza para o Brasil e que adquiriram a terra por meios legais, que seja”.
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